“- E sai um projeto às postas”
“- Não! Quero inteiro, é para ir ao forno.”
Entre facas, tábuas, bancadas, carnes dos mais diversos tipos, recheadas, fatiadas, surge o nosso desafio. Uma mudança de espaço em tempo recorde. Mudança esta em que o cliente queria uma nova identidade.
Nunca tínhamos feito um talho, o que nos fez pensar e pesquisar como até então nunca o tínhamos feito. Explorar o dia a dia, o tipo de clientes, muitos deles já fazem “parte da casa” e sentir o que vai além do que se vê.
Comunicar o óbvio, aqui, não fazia sentido.
Recuamos às manhãs de sábado, que muitas pessoas dedicam para ir ao mercado, talhos, frutarias para abastecer as casas para as melhores reuniões, aquelas que são à volta da mesa.
São nestas manhãs que muitas vezes temos acesso a “gentes”. Pessoas que nos ensinam o que muitas vezes já não está nos livros. Truques que só a nossa mãe/pai, avó/avô nos transmitem. E foi nesse momento que surgiu o conceito: “e se usarmos as paredes para partilha de segredos de culinária?”. A Amália cantava que nem às paredes confessava. Nós mudámos a narrativa e as nossas paredes contam tudo. Contam que o segredo para o arroz de pato está na hortelã. Que a manjerona é ótima para os guisados e para retirar o cheiro forte da carne. E no meio destes segredos, deixámos espaço para quem quiser partilhar os seus. Uma parede que se torna um diário de partilhas em que nada é estático e definitivo.
Foi o conceito que até hoje mais pessoas envolveu. Demos por nós a ligar a pais, tios, avós e amigos, questionando-os acerca de receitas e truques. De norte a sul, todos diziam o mesmo: “aqui é que se come melhor”, ou “aqui é que se faz o verdadeiro”. De uma coisa sabemos, ficámos cheios de água na boca e com vontade de ir de norte a sul para termos reuniões à mesa.
Mas foi através da herança de Filipa Vacondeus que desenhámos, pelas mãos da Alexandra do Atelier 13, Portugal, e demos a conhecer o que melhor se faz em cada região. Pois é através da diferença de região para região que se faz a nossa riqueza gastronómica.
Foi um projeto que esteve marinado no melhor vinho e alho. Fizemos um estrugido com um cheirinho que há muito não se sentia. Cozinhámos em lume brando até ficar apurado.
Está servido.
Fátima Gonçalves